Convite à leitura: “A live das modernistas”
por Alexandra Lima da Silva
O ano de 2022 marcou o centenário da Semana de Arte Moderna no Brasil. Muitas atividades foram realizadas para lembrar deste evento importante: palestras, exposições, livros…
Protagonizado por duas estudantes negras, o livro A live das modernistas procura reconhecer a importância das mulheres não somente na Semana de Arte Moderna, como em toda a cena artística do movimento chamado “modernismo”.

Um dos sentidos de rememorar a Semana de Arte Moderna de 1922 em ocasião de seu centenário é a necessidade de não (re) produzirmos esquecimentos.
Por isso, o livro procurou conferir falar das experiências de mulheres modernistas como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Zina Aita, Djanira Motta, pois compreendo que tais mulheres ousaram ocupar espaços nos quais não era desejada e/ou esperada a presença feminina.
Mas para compreender o Brasil de 1922 é preciso considerar que este era também, um país com muitas desigualdades sociais e injustiças. O que mudou de lá para cá? Nos tempos da Semana de Arte Moderna, mulheres e pessoas analfabetas não podiam votar, num cenário em que havia um número elevado nas taxas de analfabetismo. Apesar de muitos dos quadros pintados em 1922 procurarem valorizar a diversidade étnica e cultural do Brasil, sentimos falta da presença de artistas indígenas, negras e de outros pertencimentos étnicos nos relatos sobre a Semana de Arte Moderna. Tais ausências não devem ser ignoradas.
O livro A live das modernistas contou com algumas participações especiais.
Nas palavras de Edmea Santos, professora da UFRRJ:
“Este é um livro em sintonia com o nosso tempo. Vivemos a cibercultura, que é a cultura contemporânea mediada por tecnologias digitais em rede na relação que imbrica territórios físicos, semióticos e informacionais. Muito mais que usar o digital para aplicar processos instrumentais e ou instrucionais, próprios das sociedades industriais, viver a cibercultura de forma autoral e interativa é forjar redes sociotécnicas, onde por meio de conversas e processos de aprendizagens seres humanos e objetos técnicos que agenciam, criam e mobilizam diferentes fenômenos. Assim, fazem Violeta e Tarsila, personagens que protagonizam a história contada neste lindo livro. Uma história que tece redes de outras tantas histórias, assim como num hipertexto.

A conversa dessas lindas meninas se materializa como live, um fenômeno da cibercultura, que é a uma conversa com transmissão de audiovisualidades em tempo real onde Violeta em seu perfil no Instagram convida a Tarsila para uma instigante conversa sobre “As modernistas”. Mulheres que protagonizaram na semana de 1922, no século passado, um revolucionário movimento artístico e literário, onde a literatura, as artes, a moda e toda uma cultura sofreram sensíveis mudanças. Quais por exemplo?”.

Para a artista plástica Elis Artz:
“A verdade é que sempre existiram mulheres grandiosas nas artes. Infelizmente a história da pintura costuma eleger poucas mulheres para servirem de destaque, e a verdade é que há uma série de talentosíssimas pintoras, escritoras que acabam passando despercebidas pelo grande público. A participação das mulheres na Semana de Arte Moderna de 1922 e também nos anos que se seguiram, apesar de tímida, teve uma importância instrumental para o desenvolvimento de uma identidade cultural brasileira.
Apesar do número pequeno, o passo foi grande quando se contextualiza o período. Às mulheres não era nem permitido votar; esse direito só foi concedido 10 anos depois. Ousadas, polêmicas ou muitas vezes recatadas e discretas, mulheres artistas traduzem através do seu traço o seu estilo pessoal e o espírito de uma época em livros, telas que hoje, via de regra, raramente ganham espaços nos museus, nos meios de comunicação, etc.”
Recomendo a leitura do livro A live das modernistas porque é uma obra protagonizada por mulheres e apresenta as vidas de algumas artistas brasileiras de forma de forma lúdica e leve:
“-Tarsila do Amaral teve uma vida interessantíssima. Era apaixonada por flores e suas cores preferidas eram o azul e rosa. E ela viveu intensamente durante 86 anos. Nascida no final do século XIX, ela própria se definia como sendo uma menina agitada e curiosa que cresceu livre em uma fazenda onde podia correr e subir nas árvores. Agora eu também tenho pesquisado sobre ela nos jornais de época, disponíveis no site da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (link nos stories). Eu li que a Tarsila se inspirou nos tempos de infância para criar o Abaporu. Ela disse: “É nesta vida sadia que eu também acho que consegui resistência física, que tenho até hoje e que nem a doença pôde destruir.

Foi das histórias fantásticas que me contavam as negras empregadas da fazenda, que veio a motivação para fazer mais tarde o Aba-Poru com aquelas mãos, pés enormes e cabeça pequenina.” (JB, 14/05/1971, p. 10).
“-Na Semana de Arte Moderna de 22, apenas duas mulheres expuseram seus quadros lá no belíssimo Teatro Municipal: Anita Malfatti e Zina Aita. Pois bem, essa semana foi um super evento que lacrou o mundo das artes. Foi assim, um fervo só… Rolou na cidade de São Paulo em fevereiro de 1922 e é considerado um marco por ter inaugurado o movimento modernista no Brasil. Esse movimento tinha gente da literatura, das artes plásticas, da música…
-Mas foi assim, poucas mulheres participaram e tinha bem pouca diversidade no grupo de artistas, já que eram pessoas que pertenciam a um grupo social que tinha muitos privilégios, como poder viajar para fora né? Viajar para o exterior era e ainda é, algo muito caro…”


O livro A live das modernistas é principalmente, um convite para uma importante reflexão: O que a Semana de 1922 ensina para a juventude hoje, no século XXI?
O Brasil de 1922 era um país com muitas desigualdades sociais, as mulheres não votavam, havia um número elevado nas taxas de analfabetismo. Apesar de muitos dos quadros pintados em 1922 procurarem valorizar a diversidade étnica e cultural do Brasil, quantas artistas negras e negros estiveram presentes na Semana de 1922? Rememorar a Semana de Arte Moderna de 1922 é uma importante oportunidade para não produzirmos outros esquecimentos.

Referência:
SILVA, Alexandra Lima da. A live das modernistas. Rio de Janeiro: Maud, 2022 (Ilustrações de Priscila Paula).
Link para acessar o pdf do livro